sexta-feira, 26 de março de 2010

Disse um amigo...

Visito muitos blogs por aí, inclusive de outros assuntos que que não dizem respeito ao futebol. O meu amigo Wagner Belmonte tem um blog bastante interessante.

Lá você encontra conteúdo diversificado, ora crítico, ora polêmico, mas sempre muito inteligente.

Hoje ele postou um texto que gostei bastante e que, mesmo não se tratando de futebol propriamente dito, tomei a liberdade de quebrar o protocolo do Papo de Bola com Fernando Richter, cujo propósito é futebol, e publicá-lo. Tenho certeza que vale a pena ler.


Jornalismo, futebol e justiça

Por Wagner Belmonte

Há momentos em que acompanhar o julgamento do Casal Nardoni parece remeter a trechos de A MONTANHA DOS SETE ABUTRES, O QUARTO PODER, HERÓI POR ACIDENTE e até O POVO CONTRA LARRY FLYNT.

Calma. Não estou pregando a absolvição do casal que pode ter imposto à menina uma morte cruel e, acima de tudo, covarde. Não li o processo, não vi os laudos. Ainda se os tivesse lido, não teria conhecimentos e elementos técnicos para opinar. Como 99,9% da população, espero justiça. E é sobre essa expectativa de justiça que quero "falar".

Nós, brasileiros, cobramos do técnico da Seleção Brasileira de Futebol o que deveria ser cobrado do Ministro da Justiça ou do Ministro da Fazenda. Dos jogadores, em campo, ainda mais em ano de Copa do Mundo, exigimos dedicação, garra, vontade, superação. Não aceitamos, e fazemos uma verdadeira CPI, que um determinado atleta amarre as chuteiras enquanto o time adversário bate uma falta que pode resultar em gol, que impõe a nossa eliminação, que traz o fim do sonho, que...

Nélson Rodrigues resumia tudo ao dizer que a Seleção Brasileira é simplesmente a "pátria de chuteiras". Roberto Damatta discorre sobre essa importância em Carnavais, Malandros e Heróis.

Em campo, a Seleção é uma espécie de inconsciente coletivo do Estado brasileiro que todos gostaríamos de ver, ter, sentir... Em relação aos nossos times, sabemos quem é o goleiro reserva, as opções ao alcance do planejamento tático do técnico no banco de reservas, mas não sabemos o nome do Secretário de Estado da Educação, do Ministro da Saúde, do responsável no Estado pelo desenvolvimento de uma política habitacional que reduza injustiças. Não sabemos o nome do Padre da igreja ao lado de nossas casas. E não conhecemos o trabalho heróico de anônimos e voluntários que reduzem dores, combatem dramas e transformam a desilusão em esperança, como os Doutores da Alegria, entre outros tantos exemplos próximos que escoam... Quem disse que esses dois palhaços que abrem o post numa foto tão bonita não são craques? Não conhecemos o nosso Patch Adams, mas sabemos que o camisa 5 da Seleção é um certo Felipe Melo. Também não desperdiçamos a chance de zombar de um atacante de time grande que perca gols, em especial se for de uma equipe para a qual não torcemos. É a oportunidade sarcástica de colocarmos a nossa ironia em campo contra a desilusão de nossos amigos...

Entendo toda essa comoção diante da barbárie que foi o assassinato da indefesa Isabella. Mas acho que podemos aproveitá-la para tirar uma grande lição: que tal a partir de agora, com o mesmo afinco, com o mesmo vigor, com os mesmos pudores, com a mesma atenção, passar a exigir justiça em outras esferas que nos dizem muito mais respeito e que interferem muito mais em nossas vidas do que o caso Isabella Nardoni?

O País, com certeza, seria outro se essa febre por justiça não se manifestasse apenas quando um "maníaco do parque" é preso, quando um casal, supostamente, lança janela abaixo uma indefesíssima menina, quando uma tal Suzane mata os pais numa trama que envolve o namorado e o irmão dele, quando a Seleção está em campo ou quando a novela das oito nos leva a um universo de sonhos, projeções e realidades. Exigimos que o vilão se dê mal no final. Esperamos que a mocinha viva o seu conto de fadas, ainda (ou preferencialmente?) que seja no apagar das luzes. Queremos justiça. Especialmente quando ela vale para os outros. E a nossa parte? Quem faz?

Não gosto de perguntas que especulam sobre o choro verdadeiro ou falso, real ou fictício, crédulo ou cético, do Casal Nardoni. Não gosto da linguagem que põe em dúvida, pela simples dúvida, o direito à defesa, prerrogativa do estado de direito. Há uma comoção nacional por Isabella Nardoni. Sim, justa. Sim, merecida. Sim, compreensível. Que pena que seja tão esporádica essa consciência e essa tamanha disposição por justiça à brasileira custe o que custar... Justiça nos olhos dos outros é refresco ! E é essa sede sazonal, escassa mesmo, que nos faz tão grandiosamente pequenos. Bem-vindos, essa é a gênese da Sociedade do Espetáculo. Essa é a modernidade líquida de amores líquidos...

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